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Dejando Huellas: A comunicação como pilar para a superação

Em homenagem ao dia do Jornalista, conheça a história de Alan e Karla, voluntários na rádio La Voz de los Refugiados em Roraima

Cauã Peres — Roraima

Em busca de novas oportunidades e uma vida com mais significado, os refugiados e migrantes Alan Torres, de 42 anos, e Karla Lucero, de 29, chegaram ao Brasil em novembro de 2024. Acolhidos no abrigo Rondon 1, eles encontraram na comunicação, uma ferramenta poderosa para enfrentar as adversidades e se reconectar com o mundo. Hoje, atuam como voluntários na rádio La Voz de los Refugiados, um projeto de comunicação comunitária da AVSI Brasil, onde contaram sua história de superação e transformaram em uma mensagem de esperança para outros migrantes.

O projeto La Voz de los Refugiados visa promover o protagonismo de refugiados e migrantes, produzindo programas de áudio informativos para as comunidades nos abrigos. Para Alan e Karla, essa iniciativa representa mais do que uma atividade voluntária “Na rádio, posso dar continuidade ao trabalho com a locução” diz Alan.

O projeto é uma forma de comunicação da comunidade para a comunidade. Funciona como um espaço para que as pessoas acolhidas sejam ouvidas e possam ter visibilidade na hora de compartilhar as próprias vivências. Karla e Alan apoiam a rádio há mais de quatro meses e contribuem com as ideias de produções e com as locuções.

O Encontro e a Mudança para o Brasil

A história de Alan e Karla é uma lição de resiliência, aprendizado e amor. Eles se conheceram por acaso, através de uma tia que era chefe de Alan em um centro para deficientes visuais na Venezuela. A conexão aconteceu de forma natural. “Foi tudo por acaso, muito natural, aos poucos, fomos nos aproximando e percebemos que tínhamos muito em comum.” lembra Karla. Hoje, casados há dois anos e meio, eles compartilham não apenas a vida, mas também um sonho: construir uma família e deixar um legado.

A mudança para o Brasil, em novembro do ano passado, trouxe novos desafios. “Foi um choque. Viemos com a expectativa de trabalhar, de produzir, mas aqui não podemos exercer nossas profissões. Tivemos que começar do zero.” , admite Alan. A adaptação não foi fácil. O casal conta que tinham uma visão totalmente diferente da realidade. A decisão de vir para o Brasil partiu de Karla, que via no país uma oportunidade de recomeço.

Infância: Os primeiros desafios

Para Karla, a vida não se tornou difícil — ela já começou assim. Nascida prematura, com apenas sete meses, os médicos disseram à sua mãe que ela nunca iria conseguir andar. No entanto, Karla não apenas deu seus primeiros passos, mas também aprendeu a encarar o mundo com uma vontade extraordinária, uma força que só quem nasceu para superar desafios poderia ter. Na escola, enfrentou o bullying de colegas e até de uma professora que, frustrada por ter um filho com deficiência, descarregava suas angústias em cima dela. “Minha mãe lutou para que eu continuasse estudando em uma escola regular”, afirma Karla.

Já Alan cresceu em um ambiente familiar turbulento. Seu pai, era um homem rígido,o que fez com que Alan criasse uma dinâmica em que vivia duas vidas: uma de liberdade ao lado da mãe, onde podia brincar, se envolver em “confusões” e ser criança e outra com uma educação mais rígida ao lado do pai, onde precisava se comportar como um adulto. “Com meu pai, eu não podia errar”, conta Alan. Aos 11 anos, Alan descobriu que sua mãe tinha deficiência visual, “Ela fazia tudo em casa: cozinhava, costurava, limpava.

 Eu nem percebia que ela não enxergava”, diz. Foi um choque quando ela pediu que ele fechasse os olhos para entender como ela via o mundo, mesmo diante todas as dificuldades Alan afirma que sua infância foi feliz.

A Perda da Visão e a Reinvenção

Aos 17 anos, Alan percebeu que estava perdendo a visão. Um dia, ao atravessar a rua, não viu um carro vermelho que quase o atropelou em plena luz do dia. O susto foi o alerta: ele estava ficando cego. “Foi um baque, eu sempre fui independente, trabalhava desde os 13 anos. De repente, tudo mudou.”, ele relembra.

Desde cedo, Alan havia se tornado um comerciante independente. “Eu comprava e vendia computadores, carros usados, e também consertava alto-falantes, consoles e sistemas de som”, conta. Era uma paixão que o mantinha conectado ao mundo. Mas, ao perceber que não poderia mais consertar equipamentos de som, algo que amava fazer, ele enfrentou momentos de frustração.

Foi então que a comunicação entrou em sua vida como uma nova forma de se conectar com o mundo e encontrar soluções. “A comunicação significa solução, é através dela que se produzem as soluções para todos os problemas, sejam econômicos, sociais ou familiares. Tudo depende da comunicação. Saber o que o outro pensa, o que o outro precisa, é o que nos move.”, ele diz.

Essa reinvenção o levou a se formar em Educação Especial e Locução, dedicando grande parte da vida a ajudar jovens cegos a se integrarem no mercado de trabalho, especialmente no rádio. Para Alan, a comunicação não era apenas uma profissão, mas uma ferramenta de transformação e esperança.

Sonhos e Superação

As dificuldades são diárias e contém muitos obstáculos, mas Alan e Karla mantêm viva a esperança.

Alan tem um grande desejo de retomar sua carreira no rádio, quem sabe até criar uma rádio latina no Brasil. “O rádio sempre foi minha paixão, é onde me sinto vivo, onde posso usar minha voz para conectar pessoas e buscar soluções”, afirma. No entanto, ele destaca que, embora ser um locutor renomado ou um empreendedor de sucesso seja algo incrível, esse não é seu verdadeiro sonho.

Seu verdadeiro sonho é ter uma família, uma casa, deixar um legado para os filhos. Ele deseja, acima de tudo, sustentar seu lar e dar aos filhos a oportunidade de realizar seus próprios sonhos. “Quero que eles vejam que, mesmo com dificuldades, é possível construir uma vida digna e cheia de significado”, ele diz.

Karla compartilha desse desejo. “Sonho em ter uma família unida, onde possamos nos apoiar e crescer juntos”, ela diz, mas também tem suas próprias aspirações. Inspirada pela mãe, ela deseja se dedicar à panificação. “Minha mãe era incrível na cozinha”, lembra com carinho. Para Karla, cozinhar vai além do simples ato de preparar alimentos; é uma forma de cuidar das pessoas.

A Força da Comunicação

A história de Alan e Karla é a prova de que, mesmo nas circunstâncias mais difíceis, a comunicação — seja através das palavras, do rádio ou da cozinha — pode ser a ponte para uma vida melhor. Eles não desistem. E, no meio de tantos desafios, continuam acreditando que, juntos, podem construir um futuro cheio de significado.

Os sonhos não têm tamanho e não podem ser avaliados pela grandiosidade, mas sim pelo seu poder de transformação. O maior sonho de Alan e Karla é simples: viver com dignidade e amor.

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