Diante da necessidade de reconfiguração dos antigos abrigos indígenas em Boa Vista (RR), foi construído o abrigo Waraotuma a Tuaranoko, que comemorou seu primeiro aniversário na última terça-feira (14). Para celebrar a data, refugiados venezuelanos de etnias indígenas e a equipe de gestão do abrigo gerido pela AVSI Brasil, organizaram dois dias de festa com muita música, brincadeiras, exposições artísticas, e torneios de futebol e vôlei interagências.
Por tratar-se de uma população indígena, com especificidades socioculturais, este abrigo foi inaugurado após muita consulta com a comunidade indígena, conduzidas por meio de assembleias e grupos de trabalho com o apoio da Força-Tarefa Logística Humanitária da Operação Acolhida, ACNUR e AVSI Brasil, visando preservar a cultura e costumes das diferentes etnias, mesmo em um contexto de deslocamento forçado.
Tanto é assim que, o espaço emergencial, atende às suas diferentes especificidades, como unidades habitacionais maiores com exaustores para melhor circulação de ar, redários, cozinhas coletivas com fogão a lenha, área de lazer para crianças, quadras esportivas, entre outros. Além disso, para tornar a comunicação mais efetiva, o abrigo conta com um tradutor e intérprete de sua língua nativa, que traduz do espanhol e do português para o warao e vice-versa. Avigail Reinosa, tradutor do abrigo, afirma “estou muito feliz exercendo esta função, sendo uma ponte entre a comunidade e as diferentes organizações que apoiam a resposta humanitária para migrantes e refugiados venezuelanos”.
Por tratar-se de um abrigo indígena, o requisito de acolhimento é ser indígena, seja por comprovação documental ou ter vivido em comunidade indígena no país de origem. No abrigo, a rotina dos beneficiários é organizada principalmente através dos comitês nas atividades cotidianas: limpeza, distribuição de alimentação, educação, saúde, comunicação, esporte e infraestrutura.
Atualmente, o abrigo Waraotuma a Tuaranoko acolhe mais de 1.500 pessoas, majoritariamente da etnia Warao, sendo o maior abrigo da América Latina para migrantes e refugiados indígenas. Kamilla Jungo, Coordenadora do abrigo, disse “Nós trabalhamos com muito cuidado para manter a organização social da comunidade indígena, ou seja, aqui trabalhamos com a liderança deles, fazendo reuniões semanais porque eles representam a comunidade e é importante ouvir suas demandas para juntos criarmos soluções”.
Além da comunidade abrigada e equipe AVSI Brasil, parceiros também participaram da comemoração, sendo eles: Fraternidade Sem Fronteiras, Equipe Militar da Operação Acolhida, ADRA (Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais), Instituto Pirilampos e o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – ACNUR.
Para Alex Cazorla, Oficial de Participação Comunitária da Fraternidade Sem Fronteiras, a ideia de juntar os acolhidos parece ótima porque eles podem interagir e partilhar as suas experiências ”esses jogos interagências já vinham sendo estudados há muito tempo, e agora, com o aniversário do abrigo e com o apoio da AVSI Brasil e seus parceiros, pode se tornar realidade. Como sabemos, os abrigados são altamente motivados pelo esporte e por isso decidimos realizar o torneio de futebol masculino e o torneio de vôlei feminino, atendendo as demandas da comunidade”.
Todos os serviços prestados na gestão do abrigo Waraotuma a Tuaranoko se caracterizam por atender às necessidades específicas da população indígena refugiada e migrante. Destacam-se ações voltadas para a valorização de sua cultura, como a contação de histórias, iniciativa para que crianças e adolescentes tenham acesso aos contos tradicionais. Nesses momentos, colaboradores e abrigados são envolvidos em um ambiente mágico através das histórias dos povos nativos, já que para as matriarcas da comunidade, é muito importante que crianças e adolescentes cresçam conhecendo e valorizando suas origens.
O abrigo conta ainda com um espaço voltado para crianças e adolescentes, administrado pelo Instituto Pirilampos, por meio de uma iniciativa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), realizando nos espaços Súper Panas, ações voltadas ao aprendizado de forma lúdica-pedagógica. “Um dos maiores desafios é que a comunidade indígena não tinha hábitos de estudar ou frequentar a escola porque tinham uma necessidade direta da natureza. Ao chegarem na cidade, eles perceberam que precisavam aprender a ler e a escrever, então trabalhamos a partir disso, buscando alfabetizá-los, pelo menos por meio da educação informal, enquanto encontram uma vaga nas escolas”. Comenta Danielle Bamberg, Psicóloga do Instituto Pirilampos.
A AVSI é responsável pela gestão do local e atua principalmente na proteção de pessoas em situações de vulnerabilidade social, participando ativamente na distribuição equitativa de produtos alimentícios e não-alimentícios, e o registro da população abrigada. Embora o tempo de acolhimento dessa população seja maior, devido aos múltiplos desafios para sua inserção socioeconômica no Brasil, a AVSI Brasil garante o respeito aos direitos humanos das comunidades indígenas migrantes e refugiadas no país e contribui para o acesso a serviços básicos.
O ABRIGO WARAOTUMA A TUARANOKO E A PRODUÇÃO ARTESANAL
Devido à crise política, econômica e social pela qual atravessa a Venezuela, comunidades indígenas vêm ao Brasil em busca de uma melhor qualidade de vida, deixando para trás seus lugares de origem e assumindo o desafio de se adaptar a uma cultura totalmente diferente de seus modos de vida tradicionais. Yurkelini Marin, beneficiária do abrigo, conta que “o processo de adaptação foi mais fácil graças à receptividade da equipe AVSI Brasil e parceiros que estão sempre em busca de oportunidades de desenvolvimento para nossa comunidade”.
Visando incentivar a interculturalidade entre refugiados, migrantes e a comunidade de acolhida, o abrigo indígena Waraotuma a Tuaranoko possui um espaço para venda de artesanato, principal fonte de renda de muitas refugiadas que encontraram na produção artesanal uma forma de manter viva a cultura e identidade de seus povos. “Sinto-me muito grata por poder expor o meu trabalho, pois me permite exaltar a minha cultura e gerar uma renda extra significativa para a integração no país.” relatou Yurkelini.