O impacto do trabalho da AVSI na vida das pessoas foi tema central
Com o objetivo de verificar o nexo entre a atuação e o escopo que move a AVSI no Brasil e de refletir sobre o modo como a organização contribui para desenvolver pessoas por meio dos projetos, foi organizado o Comitê Técnico Operacional (CTO), em Salvador, nos dias 12 e 13 de março.
O tema do encontro foi a frase de Julián Carrón: “Um olhar sobre o eu, um olhar sobre o outro”, que expressa a proposta de refletir sobre o próprio trabalho tendo como ponto de partida o olhar sobre o humano.
Cerca de 80 pessoas participaram do evento, entre elas, colaboradores da AVSI no Brasil e na Itália, colaboradores da Cooperação para o Desenvolvimento e Morada Humana (CDM), parceiros institucionais e convidados.
Blocos de apresentações
O ponto de partida do CTO 2013 foi a apresentação do diretor da AVSI no Brasil, Fabrizio Pellicelli, sobre o percurso realizado pela instituição após o CTO 2012 e a visão geral sobre a organização no âmbito do Brasil (os setores de atuação, os financiadores, o orçamento e a proposta de comunicação para este ano). De modo semelhante, o diretor administrativo-financeiro da CDM, Ernane Souza, apresentou informações sobre a instituição em que atua e pontuou que o CTO não é apenas um encontro operacional. “Estamos aqui para nos ajudar a ter autoconsciência daquilo que fazemos, daquilo que somos”, afirmou.
No bloco seguinte, representantes da Fundação AVSI esclareceram pontos do CTO realizado em Milão, em novembro de 2012, que repercutem sobre a AVSI no Brasil.
Giorgio Capitanio reforçou para os colaboradores a importância de julgar o próprio trabalho tendo como critério o desenvolvimento da pessoa. Maria Teresa Gatti lembrou que as atividades realizadas no Brasil têm relação com o mundo e, por isso, é preciso não apenas aprender o que se faz, mas documentar e compartilhar. Já Marco Andreolli, falando sobre a captação de recursos (fund raising), comentou que as pessoas que apoiam a AVSI organizando iniciativas para arrecadar doações “vivem a dimensão da necessidade de dar alguma coisa gratuitamente e de construir, de participar da construção de uma coisa grandiosa que, de algum modo é necessária para própria vida”.
O tema do painel sobre direitos humanos, um dos setores de atuação da AVSI no Brasil foi a relação entre o sistema prisional brasileiro e a experiência da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) – entidade civil dedicada à recuperação e reintegração social de condenados a penas privativas de liberdade. Desde 2011, a AVSI contribui com o fortalecimento das APACs por meio do Projeto Além dos Muros.
Valdeci Ferreira e Gianfranco Commodaro apresentam a experiência das APACs e o Projeto Além dos Muros.
De acordo com Gianfranco Commodaro, diretor da Fundação AVSI em Belo Horizonte, nas APACs, a realidade é bastante diferente do sistema prisional comum. Segundo ele, considerando a situação de Minas Gerais, um preso do sistema penitenciário convencional custa do Estado cerca de R$2.800 por mês, enquanto um recuperando APAC custa R$900. Além disso, o percentual de reincidência é outro fator de contraste: 8,5% entre os inseridos numa APAC e 85% entre os presos comuns.
Embora exista há 40 anos, “a APAC não é um modelo pronto e acabado, mas é uma alternativa viável ao caótico sistema prisional. Ela nasce como uma luz de esperança aos clamores que saem do cárcere”, afirmou Valdeci Ferreira, diretor executivo da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC).
Desenvolvimento urbano foi o tema central do debate que encerrou o primeiro dia de CTO. A diretora de Projetos da AVSI Brasil, Lareyne Almeida, apresentou as contribuições da AVSI e da CDM em se tratando desse setor temático.
Além disso, representantes do setor público foram convidados dialogar sobre como as organizações não governamentais podem contribuir com a política nacional de habitação. Estiveram presentes Rodrigo Delgado (Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades), Ana Gama (Secretaria das Cidades do Governo de Pernambuco), Sonia Fontes (Secretaria de Infraestrutura do Município de Alagoinhas) e Fernando Pinto (Município de Governador Valadares).
No segundo dia do Comitê, a proposta inicial foi aprofundar a discussão sobre a relação entre desenvolvimento econômico e social e o papel do setor privado. Jacopo Sabatiello e Martionei Gomes apresentaram os projetos desenvolvidos pela AVSI e pela CDM em se tratando de responsabilidade social corporativa (RSC), como Árvore da Vida, Plantar e Construir, Comunidade Viva e Buriti Grande. Já Luciana Freitas gerente administrativa da Cooperárvore, apresentou a experiência da cooperativa do Programa Árvore da Vida, que recebeu em 2012 o segundo lugar no Prêmio Economia Criativa, realizado pelo Ministério da Cultura.
O último bloco de apresentações, sobre formação e trabalho, foi aberto por Ana Bianchi (responsável pela AVSI Nordeste em Recife). Entre outros dados, informou que o número de jovens formados por ano nas atividades de formação da AVSI no Brasil chega a 1800 alunos. Jabes Soares (representante da Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza) e Marli Pereira (representante do Ministério do Trabalho e Emprego) comentaram como a formação dos jovens pode servir como oportunidade para desenvolver o aprendizado técnico e o crescimento integral.
A experiência com o trabalho
Além das apresentações sobre a AVSI, a CDM e seus parceiros, o CTO foi um momento oportuno para conhecer a experiência de trabalho vivida por alguns colaboradores, pelos jovens ex-alunos de projetos e pelas empresas parceiras.
Anderson Oliveira, responsável pelo setor de relação trabalhista na OAS Empreendimentos (instituição parceira da AVSI) defende a posição de que é importante não apenas contratar, mas se colocar em uma relação com o jovem aprendiz, para que haja o crescimento humano. “O jovem não é um instrumento para quitar uma cota de contratação em uma empresa. O trabalho é, em primeiro lugar, uma ferramenta de dignidade do homem”, ressalta.
A postura que se tem diante do trabalho foi um ponto lembrado por Jon Maicon Santos, ex-aluno curso de auxiliar de pedreiro, no CEDEP (iniciativa da CDM em parceria com a AVSI). O jovem de 20 anos conta que atualmente, como auxiliar técnico em edificações na Arena Fonte Nova, é responsável por acompanhar três jovens aprendizes e, nessa função, tenta dividir com eles sua experiência. “Eu vi profissionais dispostos a me ajudar, por isso, tenho um cuidado maior com os três jovens que trabalham comigo hoje”, comenta.
Vanessa Saggioro, colaboradora da AVSI há 8 anos, afirmou que encontrou na instituição mais que uma rotina de trabalho. Para ela, trata-se do lugar onde compreendeu “o sentido do que é trabalho, do seu significado e do seu objetivo”. Realizando visitas às empresas, para firmar parcerias com a AVSI na contratação de jovens dos projetos, convida as pessoas a acreditar numa proposta que contém “o processo educativo e também o diferencial humano”, complementa.
Elinsmar Mendes, técnico em edificações na CDM, comenta a importância de aproveitar as oportunidades. Lembra que entrou na instituição como porteiro. Depois, iniciou alguns cursos no CEDEP que ampliaram o seu desejo de aprender ainda mais. Assim, cursou Pedagogia e atualmente estuda Engenharia Civil, cursos que o ajudam a desenvolver sua função de capacitar alunos com atenção à qualificação técnica e também à formação humana.
Rebeca Cerqueira, ex-aluna do Semente de Ciência
A jovem Rebeca Cerqueira mostrou que o conhecimento adquirido no Projeto Semente de Ciência, como aluna de Desenvolvimento de Software, foi além do profissional. Com simplicidade, comparou o modo como vivia à observação da lua numa noite escura. “A vida é assim: tem um céu e uma lua, existe o brilho e a escuridão. Se eu levantasse, eu veria a lua e seu brilho. Mas fui eu que escolhi ficar sentada no sofá e ver o lado escuro do céu. A gente aprende algumas coisas, mas depende do nosso esforço”, afirma.
Para ela, a motivação para se “levantar e ver o céu”, ou seja, o ímpeto de olhar para si e para os outros, é fruto de um trabalho que começou nas aulas de formação humana do seu curso. “Eu percebi que não era necessário o meu orgulho, porque o mundo já está cheio disso. Era necessário aprender, me adaptar. Assim como eu recebi atenção, percebi que as outras pessoas também precisavam de atenção”, comenta.
Um convite aos colaboradores
Diante das apresentações e dos depoimentos, o diretor geral da Fundação AVSI, Alberto Piatti, convidou os colaboradores a julgar o que ouviram nos dois dias de encontro e a começar um movimento pessoal se questionando: “com o que fazemos, movemos as pessoas?”.
Para Piatti, “o trabalho maior que cada um deve fazer é o de quebrar os muros”, se referindo à importância de pensar na organização de maneira mais ampla. “Somos uma organização global porque em cada ação falamos ao ser humano, que é universal”, complementa.
Sobre a necessidade de que cada um coloque a sua liberdade em ação para tomar decisões, ainda que seja para abandonar “velhas modalidades de trabalho”, Piatti estabelece uma analogia entre o trabalho na AVSI e a vida dos dinossauros. Para ele, “precisamos nos dobrar à realidade”, ou seja, o colaborador precisa estar atento ao que acontece e estar disposto a fazer adaptações, para garantir a sobrevivência.