Distante das salas de aula há mais de 15 meses, em função da pandemia do coronavírus, a estudante Ana Clara da Silva Melo, de 12 anos, sofreu com os impactos no aprendizado e da falta de convivência com os colegas. Moradora do município de Serra Talhada, em Pernambuco, ela sentiu falta da presença dos professores, sobretudo com as orientações para a execução das tarefas de casa. “Sem as aulas presenciais tudo fica mais complicado, mas é a opção que temos, então, tentei ao máximo não comprometer os estudos. Para matar a saudade dos amigos, só por chamadas de vídeo”, contou Ana.
Para mudar essa realidade, Ana Clara decidiu atuar como agente de mudança em seu município, após participar de uma capacitação do Projeto de Resposta à Covid-19, realizada pelo UNICEF, em parceria com a AVSI Brasil, com o objetivo de dialogar sobre a importância do retorno seguro às aulas presenciais e disseminar práticas de prevenção e controle da Covid-19 entre a comunidade escolar.
Após a participação na capacitação, Ana Clara multiplicou o conhecimento adquirido realizando palestras para adolescentes e adultos em sua comunidade. Um dos espaços que recebeu a iniciativa foi o Núcleo de Cidadania do Adolescente (NUCA), do qual Ana participa há dois anos, e foi criado a partir de objetivos traçados pelo UNICEF para a melhoria na qualidade de vida dos adolescentes e para garantir o direito destes jovens à participação cidadã, contribuindo para a mobilização social. Os encontros aconteceram em três bairros e duraram em média 30 minutos. O bairro Mutirão reuniu 15 participantes, sendo 10 adolescentes e cinco adultos. Já no bairro Caxixola, compareceram oito adolescentes e quatro adultos. O encontro do bairro Vila Bela foi o que reuniu o maior público, com 22 participantes no total, sendo 15 adolescentes e sete adultos.
“Fora da Escola não Pode”
Foi com esta mensagem, apresentada por meio de um projetor e uma cartilha sobre cuidados na escola, com ilustrações dos personagens da turma da Mônica, que Ana Clara realizou a sua mobilização entre os colegas. A resposta não poderia ter sido melhor. “Eles me receberam muito bem e estão todos muito ansiosos para o retorno”, comemorou a estudante.
A motivação para esse trabalho surgiu da percepção de que era possível o retorno das aulas de forma segura. “Tudo começou quando percebi que fora da escola ficamos mais vulneráveis. Então decidi levar a mensagem sobre a importância da volta às aulas presenciais, e como isso é possível em tempos de pandemia”, explicou Ana Clara. Com isso, o movimento surtiu efeito. “Tenho acompanhado e percebido que os adolescentes começaram a compartilhar a cartilha nas redes sociais, propagando a mensagem.
“Sei que o que estou fazendo é só uma pontinha perto do apoio que milhares de crianças precisam para retornar às escolas o mais breve possível. Por falta de recursos em casa, muitos têm dificuldades de acompanhar as aulas remotas ou têm que se deslocar por muitos quilômetros, em comunidades rurais, para buscar as atividades impressas. No meio disso, tem aqueles que acabam desistindo de estudar. Espero que isso tudo passe logo e fique no passado”, explicou Ana Clara.
Perguntada sobre o retorno das aulas na Escola Estadual Emanuel Pereira Lins, ela não teve dúvidas: “Não vejo a hora. Vai ser uma experiência nova porque ainda não conheço pessoalmente minha atual escola. Quero aproveitar e valorizar cada minuto”, completou a pequena multiplicadora.
Apoio dentro de casa
Para a realização das palestras, Ana Clara contou com o apoio de sua mãe, Mayara Cícera da Silva, coordenadora de um dos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) do município. Mayara entrou em contato, via WhatsApp, com os coordenadores dos SCFV de cada bairro, que ajudaram a reunir os grupos de adolescentes. “Fico muito feliz em saber que ela é uma menina empoderada, que sabe o que quer e corre atrás dos seus direitos”, elogiou a mãe.
Multiplicando exemplos
Educadora social há oito anos, Simone Santos conhece bastante a dedicação e a história de Ana Clara. “Quando falo da Clarinha, falo com muito entusiasmo porque ela é uma menina que surpreende a cada instante. Sempre que propomos qualquer desafio, ela abraça a causa”, explica. Simone conta que Ana Clara tem sido uma propagadora das práticas de prevenção e controle da Covid-19. “Ela leva a informação a quem não tem esse acesso. Ela é uma adolescente que não tem timidez ao falar, que tem voz, que tem vez, que é empoderada, que tem noção do que é seu por direito, e sabe exigir, reclamar e cobrar aquilo que é dela”, garante a educadora.
Quem também aplaude a atuação de Ana Clara é o poeta e professor Antônio Nunes, que também atua como agente de mudança no Projeto de Resposta à Covid-19 e tem disseminado informações para um retorno seguro por onde passa. Segundo ele, o ponto positivo da iniciativa de Ana Clara é que mostra a adesão de vários públicos, que mesmo em grupos distintos, lutam pelos mesmos objetivos. “Como há uma conexão na linguagem, por afinidade e idade, eles conseguem incentivar uns aos outros na missão de retornarem ao ambiente escolar, sem exceção. Ela vai ser uma futura líder comunitária, uma pessoa de influência, que vai impactar as outras pessoas.”