*Por Fabrizio Pellicelli
Nos dias nos quais o Brasil se encontra no centro das atenções internacionais para as Olimpíadas do Rio de Janeiro, o país está vivendo a maior crise econômica, política e institucional da sua história democrática recente. O contraste entre a grandiosidade do evento de abertura e a real condição de vida de boa parte da população brasileira não pode não gerar demandas profundas: como podem continuar a coexistir estas duas realidades? É possível que ainda dezenas de milhões de pessoas vivam em condições de extrema pobreza, sem água, comida, educação de qualidade, hospitais, trabalho? Existe uma consciência comum, no Brasil e no resto do mundo, desta forte disparidade e injustiça social?
No dia da abertura dos jogos olímpicos do Rio, encontrava-me no semiárido brasileiro, uma região muito pobre, que sozinha representa 9% do território brasileiro e 11% da população total do país. O motivo da minha visita era a construção de um projeto que visa favorecer algumas comunidades locais, através da parceria entre a AVSI Brasil e um grande grupo industrial italiano, que atua naquele território e pretende melhorar as condições de vida das famílias ali residentes.
O semiárido é o mais nítido espelho desta desigualdade brasileira. Nesta região, contrariamente à área da cidade de Rio que foi preparada para o grande evento, não existem estradas sem buracos. Os acessos aos municípios são realizados, em sua maioria, por vias sem asfalto e o vermelho da terra brasileira cobre o branco dos cavalos. No semiárido que visitei, não chove desde janeiro. Um drama em toda a região, onde o abastecimento hídrico depende quase unicamente das chuvas. No seu subsolo, corre água em abundância e de boa qualidade, mas o Estado, que investiu bilhões de reais para a extração do petróleo na região do pré-sal, não consegue construir poços para a sua população.
É importante a imagem internacional positiva que o Brasil está transmitindo nestes dias: um país capaz de se destacar por meio das Olimpíadas. Mas o crescimento deveria gerar riqueza para ser reinvestida em políticas de desenvolvimento. O Estado tem o dever de garantir o acesso aos serviços básicos para a pessoa, as infraestruturas primárias e atrair investimentos privados de forma sustentável e compatível com o seu território e a sua cultura.
As empresas são atores indispensáveis se queremos alcançar uma melhor redistribuição de riqueza. No Brasil, os modelos de responsabilidade social corporativa se encontram em um estado muito avançado, baseados no conceito de ganho recíproco para o setor privado e para a sociedade, vista como um conjunto de portadores de interesses em um determinado território.
Estes modelos precisam ser valorizados com o envolvimento ativo do terceiro setor, através de colaborações capazes de criar riqueza, estimular a ocupação, favorecer o acesso a novos conhecimentos e tecnologia, a fim de gerar um desenvolvimento atento ao horizonte cultural e ambiental do território.
As associações do terceiro setor brasileiro representam um instrumento eficaz para promoção de um desenvolvimento sustentável. Elas garantem uma presença estável em contextos árduos ou onde o estado não tem interesse em chegar. Nos lugares mais pobres do Brasil, existem realidades associativas que nasceram para responder às necessidades concretas das pessoas e ao desejo de todas as camadas sociais da população de serem protagonistas do próprio desenvolvimento.
Os rostos e as histórias das pessoas do semiárido podem aparecer “inúteis” em uma sociedade onde a cultura do “descarte” é dominante, mas podem ensinar a redescobrir o valor da fraternidade e da positividade da vida, também nas condições mais extremas. As Olimpíadas, então, podem representar a ocasião única para revelar também este outro rosto brasileiro.
*Fabrizio Pellicelli é diretor presidente da AVSI Brasil.
Este artigo foi originalmente escrito para a versão online do jornal italiano La Repubblica. Disponível aqui.