Das ruas de Boa Vista, em Roraima, ao reconhecimento de funcionário destaque do mês, na capital do Brasil. A trajetória do venezuelano Cesar Jose Belmonte, 25 anos, surpreende pela superação. Afinal, há um ano e cinco meses, ele chegava em um novo país, sem conhecer o idioma ou alguma pessoa que pudesse recebe-lo.
Na Venezuela, deixou a esposa, Dairelys e um filho recém-nascido que não conseguia mais sustentar com o salário de vendedor ambulante. “A vida antes era boa. Tínhamos o básico. Eu trabalhava e conseguia comprar as coisas. Mas com o passar do tempo, tudo ficou mais difícil e não conseguia mais manter a família. Então optei por vir para o Brasil e tentar uma nova chance. A gente sempre ouviu muito que o Brasil é um país de oportunidade”, relembra.
Os primeiros meses não foram fáceis, Cesar atravessou a fronteira em outubro de 2019, quando o estado recebia milhares de migrantes e refugiados venezuelanos após uma crise sem precedentes no seu país de origem. “Boa Vista estava cheia de venezuelanos. Eram milhares. Os abrigos da Operação Acolhida estavam todos lotados, então o único lugar que consegui vaga foi uma barraca para dormir em frente à rodoviária. A gente precisava sair muito cedo para procurar um emprego e só podia voltar à noite, para dormir numa barraca compartilhada com outras pessoas desconhecidas”, explica Cesar.
Dois meses depois, Dairelys e o bebê, que já completava três meses, atravessaram a fronteira para se reencontrar com Cesar e passaram a viver nessas condições entre as ruas da cidade e pernoite numa barraca. “Eu conseguia algumas diárias como pedreiro ou para capinar terrenos. Foi muito difícil conseguir algo fixo”, avalia Cesar.
Depois de quatro meses, Cesar conseguiu uma vaga para viver com a família no abrigo São Vicente 2. “Foi uma das melhores coisas que nos aconteceu, pois sabíamos que os abrigos ofereciam mais estrutura, serviço de proteção e segurança. Na rodoviária a gente tinha muito medo de que roubassem nosso filho, medo de assalto. Dormíamos com pessoas estranhas e no São Vicente 2 fomos acolhidos como se fôssemos da família. Isso nos deu força para acreditar que algo melhor ia surgir”, disse Cesar.
E foi o que aconteceu em algumas semanas, quando Cesar soube de uma seleção aberta para venezuelanos trabalharem em uma rede de restaurantes de fast food, do grupo Levvo em Brasília. “A psicóloga do abrigo me falou da seleção, mas que muitas pessoas iam participar. Eu nunca tive medo. Quis participar e concorri à vaga com várias pessoas. Eram 17, só no São Vicente 2, e a seleção também estava aberta para os outros abrigos gerenciados pela AVSI Brasil em Boa Vista”, recorda.
Os candidatos passaram por uma preparação organizada pela ONG Refúgio 343, com aulas de português, capacitações técnicas e treinamentos de habilidades comportamentais para a entrevista de emprego. Dois dias depois da entrevista, veio a notícia de que Cesar foi o único selecionado do São Vicente 2 para a vaga. “Fiquei muito emocionado”, relembra. A seleção final contou com 11 venezuelanos contratados.
A interiorização da família de Cesar e os demais selecionados na entrevista, bem como suas famílias, foi realizada em agosto, numa parceria com AVSI Brasil, que implementa o Acolhidos por meio do trabalho. O projeto oportuniza moradia temporária durante os três primeiros meses para todos o grupo. Eles também contaram com o acompanhamento de um assistente social para apoiá-los na integração com a empresa e na comunidade local durante esse período.
Em dois meses de trabalho, Cesar foi reconhecido pela empresa como o funcionário destaque do mês, na unidade em que atua, em Taguatinga. “A empresa faz essa avaliação todos os meses e homenageia um funcionário por turno, com melhor desempenho em todas as áreas da loja. Em outubro eu fui homenageado e estou muito orgulhoso. Além disso, a gente recebe um adicional no salário e isso me ajudou muito. Ainda pretendo crescer muito mais profissionalmente”, afirma.
Para o futuro, Cesar pretende evoluir no trabalho e consequentemente melhorar a renda da família. “Meu maior sonho é viver muitos anos. Trabalhar bastante para deixar a família numa situação boa. Preparar o futuro do meu filho para que ele seja uma pessoa boa, tenha estudos, um bom trabalho e que fale muito idiomas, pois isso é muito importante”, avalia. Já a esposa Dairelys torce para acabar logo a pandemia para que seu filho possa entrar em uma escolinha e ela possa trabalhar e ajudar nas despesas de casa. “Ainda queremos reunir novamente nossa família, que ficou na Venezuela. Mesmo que seja para nos encontrarmos no Natal ou na Páscoa, pois sentimos muitas saudades de comemorar as tradições com nossa família”, diz o casal.
O projeto
O Acolhidos por meio do Trabalho é implementado pela AVSI Brasil e Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), com o envolvimento da Fundação AVSI e AVSI-USA e financiado pelo Departamento de População, Refugiados e Migração (PRM) do Governo dos Estados Unidos. Entre as principais ações, o Acolhidos por meio do trabalho prevê a colocação no mercado de trabalho e interiorização de venezuelanos adultos com suas famílias, além da colocação no mercado de trabalho de brasileiros em situação de vulnerabilidade social; e cursos preparatórios vinculados ao mercado de trabalho e de língua portuguesa e formação em direitos e deveres laborais, entre outros aspectos.