É possível reconstruir uma vida em cinco meses? A resposta para 86 venezuelanos que foram interiorizados para Santa Catarina no início do ano é afirmativa. Eles saíram do seu país de origem em ocasiões distintas e encontraram no Brasil uma chance para refazer suas vidas e seus sonhos.
O ponto de partida de cada história tem suas particularidades. Uns saíram da Venezuela porque não conseguiam mais emprego no país, outros buscaram tratamento de saúde no Brasil. Mas no início do ano todas as histórias se cruzaram em Boa Vista (RR), onde estavam abrigados, quando 67 venezuelanos foram selecionados para trabalhar em uma indústria na cidade de Seara (SC).
As vagas foram divulgadas pelo Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR), que foi a responsável pela seletiva junto à empresa. As interiorizações foram realizadas em parceria com a AVSI Brasil, que gerencia o projeto Acolhidos por meio do trabalho – destinado a migrantes e refugiados venezuelanos e para brasileiros em situação de vulnerabilidade social.
No início de fevereiro, os novos contratados e suas famílias embarcaram na aeronave Hércules, da Força Aérea Brasileira, totalizando uma tripulação de 86 venezuelanos. Eles saíram de Boa Vista com destino a Chapecó, distante 44 quilômetros de Seara, onde fica a sede da empresa contratante. O deslocamento aéreo foi realizado com o apoio da Operação Acolhida, força tarefa humanitária liderada pelo governo federal. Após a chegada, foram recebidos por representantes da empresa e da AVSI Brasil para a acolhida. A empresa também disponibilizou dois ônibus que levou os grupos para o município de Seara Xanxerê.
Foram três meses de adaptações, já que estavam no Sul do país, onde há uma diferença climática comparada com Roraima, que faz fronteira com a Venezuela. “Foi tudo normal na adaptação, a cidade é muito bonita, mas faz muito frio”, relata Ricardo Rojas, um dos interiorizados. A observação é quase unânime entre os venezuelanos, já que região costuma registrar índices negativos no inverno.
Neste período eles contaram com moradia temporária, garantida pelo Acolhidos por meio do trabalho e também receberam doações de utensílios e agasalhos junto à comunidade local. A AVSI Brasil também garantiu uma ajuda de custo mensal, com uma cesta básica por família por três meses. Um grupo permaneceu morando em Xanxerê, onde os contratados contaram com ônibus corporativo diariamente no deslocamento da casa para a empresa. O outro grupo permaneceu acomodado em Seara, nas proximidades da empresa. Além disso o projeto também garantiu o acompanhamento de uma assistente social que os acompanhou neste período para facilitar a adaptação nas novas cidades.
Passado o período de experiência na empresa, 66 venezuelanos permanecem contratados e já conseguiram encontrar uma casa para alugar com seus recursos próprios. A transição foi acompanhada pela assistente social. Além das cidades de Seara e Xanxerê, muitos dos venezuelanos agora moram na cidade de Arvoredo, que também fica próximo ao munícipio da empresa em que trabalham.
A AVSI Brasil comemora o resultado do primeiro grupo interiorizado pelo projeto e agora já trabalha com o deslocamento de novos grupos que estão nos abrigos de Roraima para outras localidades do país nos próximos meses. Segundo Thais Braga, gerente do projeto, mesmo com a desaceleração econômica provocada com a pandemia do coronavírus, as empresas têm se sensibilizado e estão conscientes a respeito da contratação de venezuelanos. “Devido a situação extremamente vulnerável em que se encontram, eles (migrantes) possuem muita vontade e determinação para se estruturarem e conseguirem recuperar sua autonomia. Isso também é um fator positivo para quem emprega”, relata Thais.
O Acolhidos por meio do trabalho é implementado pela AVSI Brasil e Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), com o envolvimento da Fundação AVSI e AVSI-USA e financiado pelo Departamento de População, Refugiados e Migração (PRM) do Governo dos Estados Unidos.
Entre as principais ações, o Acolhidos por meio do trabalho prevê a colocação no mercado de trabalho e interiorização de venezuelanos adultos com suas famílias, além da colocação no mercado de trabalho de brasileiros em situação de vulnerabilidade social; e cursos preparatórios vinculados ao mercado de trabalho e de língua portuguesa e formação em direitos e deveres laborais, entre outros aspectos.
Obs: Os registros fotográficos foram realizados em fevereiro, antes da determinação de distanciamento social.