O dia mais surreal da minha vida
Foi na AVSI que ouvi falar pela primeira vez sobre APAC (devido ao projeto Além dos Muros). E, desde sempre, ela me intrigou: como assim um presídio sem policial? De que maneira pode funcionar uma prisão sem armas e sem medo?
Felizmente tive a chance de ver de perto o que de longe me surpreendia. Bastou haver a primeira missão para nossa sede em Belo Horizonte que fui presenteada com uma agenda que contemplava uma visita à APAC de Santa Luzia, junto com os colaboradores de Belo Horizonte.
A “lógica natural das coisas” começa a ser desafiada assim que você pisa em uma APAC. Afinal, é um condenado, ou melhor, um recuperando, que abre as portas – literalmente – desse mundo intrigante pra você. E é nesse momento que você percebe, então, que precisa deixar muita coisa pra trás antes de tentar entender o que se passa lá dentro: paradigmas, preconceitos, certezas, normalidade.
Porque no “mundo normal” é inconcebível a ideia de almoçar com condenados, a mesma comida – feita por eles – e ver que eles utilizam os mesmos utensílios que você: garfo e faca. Porque no “mundo normal” é muito difícil imaginar conhecer um presídio sendo guiado por um homem condenado a uma pena de 60 anos. Porque no “mundo normal” você não conversa tranquilamente com presidiários sobre seus sonhos e vontades. No “mundo normal” você não concebe a ideia de que o homem seja maior que o seu delito – seja ele qual tenha sido.
Mas foi o que aconteceu comigo.
Entendi, então, como funciona uma APAC: a disciplina de trabalho rígida que os orienta todos os dias, a motivação profunda que exercem uns sobre os outros, a valorização humana que permeia como princípio básico, a religião que os guia diariamente, a família que se insere de maneira determinante, o voluntário que representa papel central e o amor como raiz de tudo.
Nenhuma arma, nenhum policial, nenhum medo, nenhuma violência. Fugas e abandonos são casos raros. Custos bem menores quando comparados ao sistema penitenciário tradicional.
Minha vontade ao sair da APAC era de avisar ao mundo todo: existe solução. Existe algo muito melhor que é feito aí, no “mundo normal”. Existem pessoas que se recuperam, existe amor suficiente para recuperá-los.
“De coração fechado, você jamais vai entender o que estamos lhe dizendo”. Essa frase ecoa na minha cabeça desde que a li em uma parede da APAC. Mas afinal, quem algum dia conseguiu entender algo de precioso senão de coração aberto?
Paula Alves é colaboradora da AVSI Brasil em Salvador.
A AVSI Brasil contribui com o fortalecimento das unidades prisionais APAC desde 2011, por meio do projeto Além dos Muros.